sábado, 25 de fevereiro de 2012

Histórico da Evolução da Ventilação Mecânica nas Doenças Neuromusculares


A substituição das funções do aparelho respiratório constitui um importante capítulo da história da Medicina, pouco conhecido pelos médicos em geral e pelos pneumologistas, em particular.
A interação das forças elásticas da caixa torácica e do pulmão produz uma pressão subatmosférica entre essas duas estruturas e transforma o tórax numa cavidade orgânica muito peculiar, diferente da caixa craniana e do abdome, que não exibem essa particularidade pressórica.
A abertura da cavidade torácica para fins terapêuticos sempre teve como obstáculo a pressão mais baixa no interior do tórax, que impossibilita o estabelecimento de comunicação entre o interior e o exterior da cavidade sem o prejuízo do colapso dos pulmões.
A própria compreensão de que as pressões são diferentes demorou bastante e um dos pioneiros da fisiologia da ventilação, o cirurgião alemão Sauerbruch, só começou a desvendar esse mistério no final do século XIX. Nas suas tentativas de abrir o tórax, chegou à conclusão de que o interior da caixa torácica tinha pressões menores do que a atmosférica e, ainda, que este fato era fundamental para a ventilação.
Com o objetivo de contornar esta dificuldade criada pela diferença de pressão, Sauerbruch desenvolveu uma sala para operar tórax. Nesta sua criação, o paciente a ser operado era posicionado com a cabeça para fora da sala, aos cuidados do anestesista. A equipe cirúrgica e o restante do corpo do paciente ficavam dentro da sala, onde se produzia, pela ação de bombas de sucção de ar, uma pressão mais baixa que a atmosférica em aproximadamente 7 mmHg. A comunicação entre o interior e o exterior da sala era vedada ao redor do pescoço do paciente por uma espécie de obturador móvel ajustável. A cabeça para fora da sala e a pressão subatmosférica ao redor do tórax permitiam a abertura do tórax sem colapso dos pulmões e a manutenção da ventilação espontânea.
O primeiro aparelho destinado a substituir a ventilação em pessoas que, por algum motivo, tinham parado de renovar o ar alveolar adequadamente, foi usado em larga escala a partir da terceira década do século XX, nos EUA. Construído por um engenheiro no Hospital da Universidade de Harvard, recebeu o nome de pulmão de aço. Vivia-se, na época, uma pandemia de poliomielite, na qual morreram muitas pessoas com a forma paralítica respiratória da doença, pelo fato de não estar disponível nenhum mecanismo capaz de substituir a ventilação. A necessidade de uma máquina que conseguisse ventilar os pacientes era premente, e os conhecimentos disponíveis sobre a fisiologia respiratória, no momento, levaram à construção de um aparelho que se assemelhava à sala de Sauerbruch. Consistia de um cilindro de aço, no qual o paciente era introduzido até o pescoço, permanecendo apenas com a cabeça para fora do aparelho, e um motor elétrico, que gerava periodicamente pressões subatmosféricas dentro cilindro, e provocava a expansão da caixa torácica. Este aumento do volume do tórax fazia cair a pressão intratorácica e o ar era então aspirado para dentro das vias aéreas. Curiosamente, quando havia necessidade de se interromper temporariamente o funcionamento da máquina, colocava-se um domo transparente sobre a cabeça do paciente, no interior do qual se fazia pressão positiva. Um dispositivo semelhante de pressão positiva é descrito por Sauerbruch, em seu livro de 1922, apesar de o autor dizer francamente que preferia a sala de pressão negativa, sua criação, por medo dos efeitos danosos da pressão positiva sobre os pulmões.
As dificuldades de se oferecer cuidados gerais, como banho, alimentação e medicação a pacientes em pulmões de aço, podem ser imaginadas. Além disso, a imobilidade forçada e a impossibilidade de tossir com certeza foram causa de inúmeras complicações infecciosas pulmonares. Apesar de todas as suas limitações, a demanda por pulmões de aço era muito grande e sua disponibilidade limitada em muitos hospitais.
Em Copenhague, Dinamarca, a epidemia de poliomielite fazia muitas vítimas no verão de 1952. Vários pacientes apresentavam dificuldades respiratórias e estavam disponíveis apenas alguns aparelhos de pressão negativa do tipo couraça (um “pulmão de aço” que envolvia só o tórax), que eram incapazes de substituir totalmente a ventilação dos pacientes. Chamado a opinar sobre que destino dar aos doentes, o anestesista Bjorn Ibsen submeteu um deles a uma traqueostomia e utilizou um AMBU para ventilá-lo. Conseguiu provar que a técnica invasiva era mais eficiente para remover gás carbônico do que a não invasiva. A partir da demonstração de Ibsen, esta forma de ventilação tornou-se o tratamento padrão para a forma paralítica respiratória da poliomielite na Dinamarca. Cerca de 1.500 estudantes de Medicina e Odontologia foram convocados a se revezar no cumprimento de turnos de seis horas na ventilação de pacientes com AMBU e contribuíram com aproximadamente 165.000 h de trabalho, salvando a vida de muitas pessoas, com muito esforço.
Quando a epidemia de poliomielite chegou à Suécia, no verão seguinte, os suecos já dispunham de um ventilador mecânico que, como o AMBU, injetava ar sob pressão para dentro das vias aéreas, sem necessitar das mãos dos voluntários. Desta maneira, surgiram os ventiladores de pressão positiva, que se tornaram, nos anos seguintes, o padrão de tratamento na insuficiência respiratória aguda.
Os critérios e parâmetros de injeção do gás sob pressão dentro das vias aéreas, da década de 60 do século XX até agora, têm sido motivo de preocupação constante. Garantir um volume corrente suficiente para o paciente, sem lesar o pulmão pelos picos excessivos de pressão, foi um dos primeiros aspectos estudados e fez surgir os ventiladores controladores de volume, com alarmes de pressão. Descobriu-se que insuflar os pulmões até que uma determinada pressão fosse atingida nas vias aéreas era insuficiente para ventilar o paciente de modo adequado, especialmente quando havia doença do pulmão. Reduções na complacência pulmonar faziam com que a pressão de ciclagem fosse atingida num tempo muito curto, insuficiente para a entrada de um volume corrente apropriado.
Outra descoberta fundamental para a ventilação mecânica diz respeito à necessidade de se manter os alvéolos abertos durante todo o ciclo respiratório, sempre que, por alguma condição patológica, houver tendência maior do que o normal para o colapso. A pressão expiratória final positiva (PEEP), desde 1969, incorporou-se como técnica obrigatória na ventilação artificial. Mesmo para a inspiração, ficou demonstrado que a manutenção de um platô de pressão, ao final da injeção de gás, melhorava a distribuição da mistura gasosa para os milhões de alvéolos e favorecia a hematose.
Posteriormente, voltou-se a atenção para a ventilação de indivíduos que se recuperavam parcialmente da insuficiência respiratória aguda e precisavam ser retirados da ventilação mecânica. Nesta fase, os pacientes deveriam estar acordados e colaborativos, sendo, na ventilação, apenas assistidos pela máquina. Nestas circunstâncias, era fundamental que o processo de injeção de gás fosse confortável e que o trabalho ventilatório pudesse ser reassumido, de forma gradual, pelo paciente. Dentro deste contexto, um grande avanço foi conseguido com o desenvolvimento da modalidade de ventilação denominada pressão de suporte, durante a década de 1980. Trata-se de uma forma de ventilação espontânea, disparada a fluxo, limitada à pressão e ciclada a fluxo.
O tratamento da insuficiência respiratória aguda monopolizava as atenções e algumas poucas pessoas dedicavam-se aos pacientes portadores de insuficiência respiratória crônica. A necessidade de alternativas para cuidar destes pacientes em outros tipos de ambiente, que não as unidades de terapia intensiva, levou ao desenvolvimento de máquinas com características específicas para uso em locais onde não está disponível uma fonte de gás sob pressão. Em 1978 surgiram os primeiros ventiladores portáteis e independentes de redes pressurizadas de gás. Eles são capazes de gerar fluxo a partir do ar ambiente, por meio de compressores ou turbinas. Na maioria dos casos, estes ventiladores possuem baterias internas ou podem ser ligados a uma fonte de corrente contínua externa (bateria de carro, “nobreak”).
Pacientes tetraplégicos, com capacidade vital zero, eram preferencialmente tratados, então, com traqueostomia e ventiladores volumétricos domiciliares. A traqueostomia permitia o manejo satisfatório das secreções, já que o paciente era incapaz de tossir, e também prevenia, durante algum tempo, a aspiração de conteúdo da boca ou orofaringe, caso houvesse, simultaneamente, distúrbios de deglutição.
No entanto, a traqueostomia mantida por anos está associada a inúmeras complicações, como infecções, aumento da quantidade de secreção, prejuízo do transporte mucociliar, sangramentos, morte súbita por rolha de secreção e desconexões acidentais.
Outras situações que levam à insuficiência respiratória crônica, mas que são progressivas, tais como doenças neuromusculares e alterações da caixa torácica, trazem dificuldades no que diz respeito à determinação do momento adequado para a realização de uma traqueostomia, e os pacientes muito se beneficiariam de um método alternativo, que permitisse adiar esta intervenção o máximo possível ou até mesmo não realizá-la.
Em 1976 surgem menções a tratamentos não invasivos de problemas respiratórios. O procedimento descrito, realizado com pressão positiva, foi denominado Continuous Positive Airway Pressure ou pressão positiva contínua na via aérea (CPAP). No entanto, a pressão positiva contínua nas vias aéreas, aplicada por meio de máscara nasal ou oronasal, não fornece suporte ventilatório. Ela mantém as vias aéreas abertas e pode diminuir o colapso alveolar. Ela passou a ser muito utilizada no domicílio para tratamento da apnéia obstrutiva do sono.
Dados publicados a partir de 1987 relatam a experiência com a aplicação de ventilação não invasiva, desde a década de 1960, em pacientes com síndrome pós-poliomielite e outros distúrbios neurológicos. Estes pacientes utilizavam ventiladores volumétricos, na modalidade assistida-controlada, por meio de peças bucais, as quais permitiam a inspiração no momento desejado.
A adaptação da pressão de suporte a formas não invasivas de ventilação foi relatada em 1990, com a idealização de um sistema para ser usado com máscara oronasal, dependente de rede de gás pressurizada, fato que limitava seu emprego a ambientes hospitalares.
Um respirador ciclado à pressão, como, por exemplo, um Bird Mark 7® (Bird Products Corporation, Palm Springs, CA), tem poucas chances de manter a ventilação num patamar adequado, quando utilizado de forma não invasiva. Esta incapacidade deve-se à forma de sua onda de pressão, que não apresenta nenhum tipo de platô: a pressão sobe até um valor pré-determinado e, após atingi-lo, cai rapidamente de volta à linha de base. Além desta característica, não existe nesse respirador nenhuma possibilidade de compensação de vazamentos ao redor da interface nasal ou oronasal. Na pressão de suporte, a ventilação é limitada à pressão: quando o valor ajustado para o suporte é atingido, o fluxo não pára, apenas vai diminuindo, de modo a manter a pressão constante, apesar do aumento progressivo do volume do pulmão. Esta particularidade cria um platô de pressão, responsável, em grande parte, pelos bons resultados na melhora da ventilação.
Também em 1990, alguns autores descreveram uma nova forma de tratar a apnéia do sono, que utilizava dois níveis de pressão: um valor maior de pressão inspiratória (IPAP) e um valor menor para pressão expiratória (EPAP). A máquina funcionava como um gerador de fluxo contínuo, capaz de detectar o estímulo respiratório do paciente, quando então fazia subir rapidamente a pressão no circuito para o nível escolhido de pressão inspiratória (IPAP). Essa pressão era mantida durante toda a inspiração, e a redução do fluxo, para retorno ao nível escolhido de pressão expiratória (EPAP), acontecia no momento em que a demanda por fluxo pelo paciente diminuía. O sistema foi denominado Bilevel Positive Airway Pressure (BiPAP®, Respironics, Murrysville, PA) e suas características técnicas faziam-no funcionar de modo muito semelhante à pressão de suporte, só que independentemente de uma fonte de gás sob pressão.
O acúmulo de secreção ou condições que reduzam a complacência pulmonar podem comprometer a eficiência deste tipo de aparelho em melhorar a ventilação e esta pode ser uma limitação importante para sua utilização no suporte pressórico de indivíduos com insuficiência respiratória crônica. No entanto, a experiência tem mostrado que o aumento da pressão de suporte (até 30 cm de água) e técnicas eficientes de fisioterapia para eliminação de catarro ampliam muito a aplicabilidade dos BiPAP (apesar de o nome ser marca registrada de uma máquina, praticamente passou a denominar um tipo de suporte ventilatório). Portanto, o BiPAP expandiu sua aplicação do tratamento da apnéia do sono para uma variedade imensa de situações nas quais o seu padrão extremamente confortável de administrar fluxo constitui uma vantagem. Este conforto é muito importante sempre que o paciente ainda mantenha alguma capacidade de ventilação espontânea, pois, nestes casos, ondas de fluxo quadradas são difíceis de suportar.
Neste breve resumo histórico pode-se observar a oscilação de conceitos básicos na substituição ou auxílio da ventilação: “órteses e próteses respiratórias” foram inicialmente não invasivas, depois exclusivamente invasivas, para chegar ao momento atual com vasta gama de opções. A melhora da ventilação de um paciente portador de doença neuromuscular exige conhecimento adequado para poder decidir qual a melhor técnica para o estado funcional daquele paciente.

Ilma Aparecida Paschoal, Wander de Oliveira Villalba, Mônica Corso Pereira
J Bras Pneumol. 2007;33(1):81-92Artigo

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Fisioterapia reduz tempo de permanência na UTI

Pesquisa realizada pelo Serviço de Fisioterapia do Instituto Central do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da USP mostra que as sessões de fisioterapia reduzem em até 40% o tempo de permanência do paciente internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), quando aplicadas sem interrupções, ou seja, 24 horas por dia. O estudo avaliou 500 pacientes, num período de seis meses.
Segundo a professora Clarice Tanaka, do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FM, responsável pela pesquisa, "a redução de complicações com melhora significativa do paciente deve-se ao tratamento noturno". Nos primeiros três meses, as atividades do fisioterapeuta levaram 12 horas e a média de internação do paciente na UTI foi de dez dias. Nos três meses seguintes, o atendimento foi de 24 horas e a média de permanência do paciente caiu para seis dias.
O procedimento garante a "limpeza" contínua dos pulmões, permite a extubação (retirada do tubo traqueal) no período noturno, reduz a agressão mecânica e propicia recuperação pulmonar mais rápida do paciente. O estudo apontou ainda que sem o trabalho intensivo dos profissionais, 24 horas por dia, aumenta o risco de piora do quadro respiratório do paciente, obrigando a sua reintubação, com possibilidades de contrair pneumonia, pelo uso da ventilação mecânica.
Qualidade de Vida
A pesquisa aponta que a expansão dos serviços reduz o sofrimento dos pacientes, permite a liberação mais rápida e segura dos leitos, com o conseqüente aumento do número de vagas disponíveis. Também diminuiu os riscos de infecção hospitalar e propicia economia de recursos financeiros que seriam usados na compra de antibióticos e outros medicamentos de alto custo