A substituição das funções
do aparelho respiratório constitui um importante capítulo da história da
Medicina, pouco conhecido pelos médicos em geral e pelos pneumologistas, em
particular.
A interação das forças
elásticas da caixa torácica e do pulmão produz uma pressão subatmosférica entre
essas duas estruturas e transforma o tórax numa cavidade orgânica muito
peculiar, diferente da caixa craniana e do abdome, que não exibem essa
particularidade pressórica.
A abertura da cavidade
torácica para fins terapêuticos sempre teve como obstáculo a pressão mais baixa
no interior do tórax, que impossibilita o estabelecimento de comunicação entre
o interior e o exterior da cavidade sem o prejuízo do colapso dos pulmões.
A própria compreensão de que
as pressões são diferentes demorou bastante e um dos pioneiros da fisiologia da
ventilação, o cirurgião alemão Sauerbruch, só começou a desvendar esse mistério
no final do século XIX. Nas suas tentativas de abrir o tórax, chegou à
conclusão de que o interior da caixa torácica tinha pressões menores do que a
atmosférica e, ainda, que este fato era fundamental para a ventilação.
Com o objetivo de contornar
esta dificuldade criada pela diferença de pressão, Sauerbruch desenvolveu uma
sala para operar tórax. Nesta sua criação, o paciente a ser operado era
posicionado com a cabeça para fora da sala, aos cuidados do anestesista. A
equipe cirúrgica e o restante do corpo do paciente ficavam dentro da sala, onde
se produzia, pela ação de bombas de sucção de ar, uma pressão mais baixa que a
atmosférica em aproximadamente 7 mmHg. A comunicação entre o interior e o exterior
da sala era vedada ao redor do pescoço do paciente por uma espécie de obturador
móvel ajustável. A cabeça para fora da sala e a pressão subatmosférica ao redor
do tórax permitiam a abertura do tórax sem colapso dos pulmões e a manutenção
da ventilação espontânea.
O primeiro aparelho
destinado a substituir a ventilação em pessoas que, por algum motivo, tinham
parado de renovar o ar alveolar adequadamente, foi usado em larga escala a
partir da terceira década do século XX, nos EUA. Construído por um engenheiro
no Hospital da Universidade de Harvard, recebeu o nome de pulmão de aço.
Vivia-se, na época, uma pandemia de poliomielite, na qual morreram muitas
pessoas com a forma paralítica respiratória da doença, pelo fato de não estar
disponível nenhum mecanismo capaz de substituir a ventilação. A necessidade de
uma máquina que conseguisse ventilar os pacientes era premente, e os
conhecimentos disponíveis sobre a fisiologia respiratória, no momento, levaram
à construção de um aparelho que se assemelhava à sala de Sauerbruch. Consistia
de um cilindro de aço, no qual o paciente era introduzido até o pescoço,
permanecendo apenas com a cabeça para fora do aparelho, e um motor elétrico,
que gerava periodicamente pressões subatmosféricas dentro cilindro, e provocava
a expansão da caixa torácica. Este aumento do volume do tórax fazia cair a
pressão intratorácica e o ar era então aspirado para dentro das vias aéreas.
Curiosamente, quando havia necessidade de se interromper temporariamente o
funcionamento da máquina, colocava-se um domo transparente sobre a cabeça do
paciente, no interior do qual se fazia pressão positiva. Um dispositivo
semelhante de pressão positiva é descrito por Sauerbruch, em seu livro de 1922,
apesar de o autor dizer francamente que preferia a sala de pressão negativa,
sua criação, por medo dos efeitos danosos da pressão positiva sobre os pulmões.
As dificuldades de se
oferecer cuidados gerais, como banho, alimentação e medicação a pacientes em
pulmões de aço, podem ser imaginadas. Além disso, a imobilidade forçada e a
impossibilidade de tossir com certeza foram causa de inúmeras complicações
infecciosas pulmonares. Apesar de todas as suas limitações, a demanda por
pulmões de aço era muito grande e sua disponibilidade limitada em muitos
hospitais.
Em Copenhague, Dinamarca, a
epidemia de poliomielite fazia muitas vítimas no verão de 1952. Vários
pacientes apresentavam dificuldades respiratórias e estavam disponíveis apenas
alguns aparelhos de pressão negativa do tipo couraça (um “pulmão de aço” que
envolvia só o tórax), que eram incapazes de substituir totalmente a ventilação
dos pacientes. Chamado a opinar sobre que destino dar aos doentes, o
anestesista Bjorn Ibsen submeteu um deles a uma traqueostomia e utilizou um
AMBU para ventilá-lo. Conseguiu provar que a técnica invasiva era mais
eficiente para remover gás carbônico do que a não invasiva. A partir da
demonstração de Ibsen, esta forma de ventilação tornou-se o tratamento padrão
para a forma paralítica respiratória da poliomielite na Dinamarca. Cerca de
1.500 estudantes de Medicina e Odontologia foram convocados a se revezar no
cumprimento de turnos de seis horas na ventilação de pacientes com AMBU e
contribuíram com aproximadamente 165.000 h de trabalho, salvando a vida de
muitas pessoas, com muito esforço.
Quando a epidemia de
poliomielite chegou à Suécia, no verão seguinte, os suecos já dispunham de um
ventilador mecânico que, como o AMBU, injetava ar sob pressão para dentro das
vias aéreas, sem necessitar das mãos dos voluntários. Desta maneira, surgiram os
ventiladores de pressão positiva, que se tornaram, nos anos seguintes, o padrão
de tratamento na insuficiência respiratória aguda.
Os critérios e parâmetros de
injeção do gás sob pressão dentro das vias aéreas, da década de 60 do século XX
até agora, têm sido motivo de preocupação constante. Garantir um volume
corrente suficiente para o paciente, sem lesar o pulmão pelos picos excessivos
de pressão, foi um dos primeiros aspectos estudados e fez surgir os
ventiladores controladores de volume, com alarmes de pressão. Descobriu-se que
insuflar os pulmões até que uma determinada pressão fosse atingida nas vias
aéreas era insuficiente para ventilar o paciente de modo adequado,
especialmente quando havia doença do pulmão. Reduções na complacência pulmonar
faziam com que a pressão de ciclagem fosse atingida num tempo muito curto,
insuficiente para a entrada de um volume corrente apropriado.
Outra descoberta fundamental
para a ventilação mecânica diz respeito à necessidade de se manter os alvéolos
abertos durante todo o ciclo respiratório, sempre que, por alguma condição
patológica, houver tendência maior do que o normal para o colapso. A pressão
expiratória final positiva (PEEP), desde 1969, incorporou-se como técnica
obrigatória na ventilação artificial. Mesmo para a inspiração, ficou
demonstrado que a manutenção de um platô de pressão, ao final da injeção de
gás, melhorava a distribuição da mistura gasosa para os milhões de alvéolos e
favorecia a hematose.
Posteriormente, voltou-se a
atenção para a ventilação de indivíduos que se recuperavam parcialmente da
insuficiência respiratória aguda e precisavam ser retirados da ventilação
mecânica. Nesta fase, os pacientes deveriam estar acordados e colaborativos,
sendo, na ventilação, apenas assistidos pela máquina. Nestas circunstâncias, era
fundamental que o processo de injeção de gás fosse confortável e que o trabalho
ventilatório pudesse ser reassumido, de forma gradual, pelo paciente. Dentro
deste contexto, um grande avanço foi conseguido com o desenvolvimento da
modalidade de ventilação denominada pressão de suporte, durante a década de
1980. Trata-se de uma forma de ventilação espontânea, disparada a fluxo,
limitada à pressão e ciclada a fluxo.
O tratamento da
insuficiência respiratória aguda monopolizava as atenções e algumas poucas
pessoas dedicavam-se aos pacientes portadores de insuficiência respiratória
crônica. A necessidade de alternativas para cuidar destes pacientes em outros
tipos de ambiente, que não as unidades de terapia intensiva, levou ao
desenvolvimento de máquinas com características específicas para uso em locais
onde não está disponível uma fonte de gás sob pressão. Em 1978 surgiram os
primeiros ventiladores portáteis e independentes de redes pressurizadas de gás.
Eles são capazes de gerar fluxo a partir do ar ambiente, por meio de
compressores ou turbinas. Na maioria dos casos, estes ventiladores possuem
baterias internas ou podem ser ligados a uma fonte de corrente contínua externa
(bateria de carro, “nobreak”).
Pacientes tetraplégicos, com
capacidade vital zero, eram preferencialmente tratados, então, com
traqueostomia e ventiladores volumétricos domiciliares. A traqueostomia
permitia o manejo satisfatório das secreções, já que o paciente era incapaz de
tossir, e também prevenia, durante algum tempo, a aspiração de conteúdo da boca
ou orofaringe, caso houvesse, simultaneamente, distúrbios de deglutição.
No entanto, a traqueostomia
mantida por anos está associada a inúmeras complicações, como infecções,
aumento da quantidade de secreção, prejuízo do transporte mucociliar,
sangramentos, morte súbita por rolha de secreção e desconexões acidentais.
Outras situações que levam à
insuficiência respiratória crônica, mas que são progressivas, tais como doenças
neuromusculares e alterações da caixa torácica, trazem dificuldades no que diz
respeito à determinação do momento adequado para a realização de uma
traqueostomia, e os pacientes muito se beneficiariam de um método alternativo,
que permitisse adiar esta intervenção o máximo possível ou até mesmo não
realizá-la.
Em 1976 surgem menções a
tratamentos não invasivos de problemas respiratórios. O procedimento descrito,
realizado com pressão positiva, foi denominado Continuous Positive Airway
Pressure ou pressão positiva contínua na via aérea (CPAP). No entanto, a
pressão positiva contínua nas vias aéreas, aplicada por meio de máscara nasal
ou oronasal, não fornece suporte ventilatório. Ela mantém as vias aéreas
abertas e pode diminuir o colapso alveolar. Ela passou a ser muito utilizada no
domicílio para tratamento da apnéia obstrutiva do sono.
Dados publicados a partir de
1987 relatam a experiência com a aplicação de ventilação não invasiva, desde a
década de 1960, em pacientes com síndrome pós-poliomielite e outros distúrbios
neurológicos. Estes pacientes utilizavam ventiladores volumétricos, na modalidade
assistida-controlada, por meio de peças bucais, as quais permitiam a inspiração
no momento desejado.
A adaptação da pressão de
suporte a formas não invasivas de ventilação foi relatada em 1990, com a
idealização de um sistema para ser usado com máscara oronasal, dependente de
rede de gás pressurizada, fato que limitava seu emprego a ambientes
hospitalares.
Um respirador ciclado à
pressão, como, por exemplo, um Bird Mark 7® (Bird Products Corporation, Palm
Springs, CA), tem poucas chances de manter a ventilação num patamar adequado,
quando utilizado de forma não invasiva. Esta incapacidade deve-se à forma de
sua onda de pressão, que não apresenta nenhum tipo de platô: a pressão sobe até
um valor pré-determinado e, após atingi-lo, cai rapidamente de volta à linha de
base. Além desta característica, não existe nesse respirador nenhuma
possibilidade de compensação de vazamentos ao redor da interface nasal ou
oronasal. Na pressão de suporte, a ventilação é limitada à pressão: quando o
valor ajustado para o suporte é atingido, o fluxo não pára, apenas vai
diminuindo, de modo a manter a pressão constante, apesar do aumento progressivo
do volume do pulmão. Esta particularidade cria um platô de pressão,
responsável, em grande parte, pelos bons resultados na melhora da ventilação.
Também em 1990, alguns
autores descreveram uma nova forma de tratar a apnéia do sono, que utilizava
dois níveis de pressão: um valor maior de pressão inspiratória (IPAP) e um
valor menor para pressão expiratória (EPAP). A máquina funcionava como um gerador
de fluxo contínuo, capaz de detectar o estímulo respiratório do paciente,
quando então fazia subir rapidamente a pressão no circuito para o nível escolhido
de pressão inspiratória (IPAP). Essa pressão era mantida durante toda a
inspiração, e a redução do fluxo, para retorno ao nível escolhido de pressão
expiratória (EPAP), acontecia no momento em que a demanda por fluxo pelo
paciente diminuía. O sistema foi denominado Bilevel Positive Airway Pressure
(BiPAP®, Respironics, Murrysville, PA) e suas características técnicas
faziam-no funcionar de modo muito semelhante à pressão de suporte, só que
independentemente de uma fonte de gás sob pressão.
O acúmulo de secreção ou
condições que reduzam a complacência pulmonar podem comprometer a eficiência
deste tipo de aparelho em melhorar a ventilação e esta pode ser uma limitação
importante para sua utilização no suporte pressórico de indivíduos com
insuficiência respiratória crônica. No entanto, a experiência tem mostrado que
o aumento da pressão de suporte (até 30 cm de água) e técnicas eficientes de
fisioterapia para eliminação de catarro ampliam muito a aplicabilidade dos
BiPAP (apesar de o nome ser marca registrada de uma máquina, praticamente
passou a denominar um tipo de suporte ventilatório). Portanto, o BiPAP expandiu
sua aplicação do tratamento da apnéia do sono para uma variedade imensa de
situações nas quais o seu padrão extremamente confortável de administrar fluxo
constitui uma vantagem. Este conforto é muito importante sempre que o paciente
ainda mantenha alguma capacidade de ventilação espontânea, pois, nestes casos,
ondas de fluxo quadradas são difíceis de suportar.
Neste breve resumo histórico
pode-se observar a oscilação de conceitos básicos na substituição ou auxílio da
ventilação: “órteses e próteses respiratórias” foram inicialmente não
invasivas, depois exclusivamente invasivas, para chegar ao momento atual com
vasta gama de opções. A melhora da ventilação de um paciente portador de doença
neuromuscular exige conhecimento adequado para poder decidir qual a melhor
técnica para o estado funcional daquele paciente.
Ilma Aparecida Paschoal, Wander de Oliveira Villalba, Mônica Corso Pereira
J Bras Pneumol. 2007;33(1):81-92Artigo
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